quarta-feira, 27 de abril de 2011

São Josafá: flagelo dos cismáticos, modelo de desassombro apostólico


Bispo zeloso, grande defensor do Papado e da união com Roma, enfrentou heroicamente os inimigos de Deus e de Sua Santa Igreja, o que lhe valeu a palma do martírio e a glória eterna

Por Roberto Alves Leite

Durante uma viagem, o Santo é abordado por um velho que lhe pede esmola. “Eu lhe darei com muito boa vontade, — responde ele –, mas com a condição de que se confesse“. A essas palavras, o mendigo hesita e até balbucia uma recusa. O Bispo o encoraja, e ouve a afirmação de que nunca o pedinte havia se aproximado do confessionário. Lágrimas rolam pela face do pobre após essa declaração. Eram elas sinal de sincero arrependimento. O velho confessa-se então imediatamente com o próprio Prelado, morrendo logo depois na paz de Deus.

Tal fato inclina São Josafá a tornar-se mais ardoroso em prestar socorro às almas com vistas à salvação eterna. Que belo exemplo para eclesiásticos contemporâneos, que se mostram preocupados em cuidar mais do corpo que da alma de seus fiéis!

João Kuncewicz nasceu em 1580, na cidade de Wolodymyr, na atual Lituânia, mas então pertencente à Polônia. Era filho de simples e respeitado comerciante, segundo alguns, de nobreza empobrecida.

Ainda criança, vendo o crucifixo, pergunta a sua mãe o que ele significa. Diante da explicação, sente como uma centelha de fogo que caía sobre seu coração, comunicando-lhe grande amor pelas cerimônias da Igreja. Foi o ponto de partida de sua vida interior e de sua missão.

Sua infância transcorre na mais perfeita inocência e piedade, que se refletem até em seus divertimentos preferidos. Decora o Ofício divino para poder cantá-lo. Enviado a Vilnius para fazer carreira junto a rico comerciante, não perde o hábito da oração, o que lhe acarreta injustos castigos corporais, pois o patrão deseja vê-lo somente produzindo. Sua piedade, porém, cresce em meio às vicissitudes.

A capital da Lituânia era então uma arena onde todos os erros se conjugavam para combater a Santa Igreja. Cada tipo de heresia lá tinha seu templo, seu ministro e seus defensores. Em uma mesma família ocorria o fato de ser o pai de uma, a mãe de outra e os filhos de uma terceira religião. Exposto aos perigos próprios a tal ambiente, sem conselho, sem experiência, evitando as pessoas ociosas, levianas e imorais, atravessou Josafá esse ambiente sem sujar sequer a franja de suas vestes.

Grande polemista, confessor, auxílio dos necessitados…

Quando a população de Vilnius se lançou no cisma, Josafá rezou a Deus Nosso Senhor suplicando-lhe que lhe indicasse o caminho que devia trilhar. “A partir desse momento — narra o próprio Santo — votei tal ódio ao cisma, que era forçado a repetir sem cessar a palavra do profeta: Eu odeio a sinagoga dos maus (Salmo 25)”.

Desde então nasceu nele o desejo ardente de ser o flagelo contra o cisma, o defensor da união com Roma.

Espírito vivo e sagaz, propenso a análises sólidas, dotado de memória fácil, considera o comércio uma atividade insuportável. E nem mesmo a promessa de tornar-se herdeiro do rico comerciante leva-o desistir de seguir sua vocação, que é a de tornar-se monge basiliano. Assim, em 1605 ingressa na Ordem de São Basílio, nela recebendo o nome de Josafá, segundo o costume grego. As leituras sobre a vida e o holocausto dos mártires não somente o entretêm, mas conferem-lhe ânimo para a luta de todos os dias.

A reputação de suas virtudes chegou aos ouvidos de certa mulher de má vida, que o visita na certeza de conseguir seduzi-lo. Indignado, ordena o Santo que ela se afaste. Diante da negativa, arma-se com um bastão e à força de golpes obriga a infame pecadora a fugir envergonhada. A notícia de tal ato de virtude logo circula pela cidade, e em decorrência disso, todos querem ver Josafá e ter a honra de merecer sua amizade.

Nota-se no espírito do Santo simplicidade, retidão, amor de Deus extraordinários. Aos poucos, forma-se em torno dele, pequena mas fervorosa comunidade religiosa. Nela, Josafá exerce as funções de sacristão, corista, ecônomo; em uma palavra, todas as atividades secundárias da casa. Certa ocasião, os cismáticos convidam-no para uma reunião, esperando atraí-lo para sua causa. De volta ao mosteiro, Josafá comenta que estava chegando do inferno, onde ouvira a voz de Satanás propondo-lhe que renunciasse à fé.

As agitações crescem em torno de si, não podendo sair em público sem ser objeto de vaias e maldições dos cismáticos. Chamam-no de traidor, hipócrita, trapaceiro, ignorante, ímpio. Jogam-lhe até pedras e paus. Durante tais perturbações, em 1609, recebe a ordenação sacerdotal, completando, com tal Sacramento, o sacrifício de louvores a Deus que havia iniciado desde a infância.

Sempre grave e recolhido, por inclinação natural, manifesta rara disposição para o estudo. Espírito penetrante, tudo o que lê e entende fica gravado em sua mente. Explica-se, pois, que discorra sobre os artigos da fé, nos pontos discutidos pelos cismáticos, com clareza e encanto fulgurantes. À sua voz, uns abjuram a heresia, outros o cisma e outros ainda renunciam a uma vida pecaminosa. A graça de Deus transborda de seus lábios e triunfa sempre de seus adversários fazendo-os retirarem-se confusos e estupefatos, perguntando-se donde lhe vinha tanta sabedoria. Apelidaram-no o Arrebatador de almas.

Sua atividade é prodigiosa: vigário, administrador nos planos temporal e espiritual, ecônomo, confessor, mestre de noviços, além de visitar hospitais e bairros pobres. E quanto mais rezava, mais se abrasava do desejo de se imolar por Deus.

Fogo! Fogo! Josafá está rezando…

Certa vez, dois religiosos de seu mosteiro, ao passar junto a sua cela, viram-na em chamas. Dão o alarme e todos acorrem. Quando vão arrombar a porta, o fogo desaparece: era Josafá que estava prosternado, rezando com a face no solo e os braços em forma de cruz! Seus companheiros compreendem o prodígio e afastam-se bendizendo a Deus. É lastimável não terem procurado penetrar no tesouro de seu coração os que conviveram com o Santo. Quantas ações heróicas, quantas exemplos preciosos, quantos favores celestes ficaram esquecidos devido a essa negligência! Eles mesmos, mais tarde, lamentaram-se pelo fato de, embora vendo-o, não o conheceram nem o imitaram.

Entretanto, mesmo assim, aqueles que dele mais se aproximam crescem em virtude. Ao mesmo tempo, aumenta em relação a eles o ódio de Satanás e dos cismáticos. Tal ódio consiste num sinal evidente de que esses seus companheiros estão no bom caminho. Por suas virtudes, seu zelo apostólico e sua atividade incansável, empreende verdadeira reforma no Mosteiro da Santíssima Trindade, em Vilnius.

Muitas vezes ocorre que uma multidão de demônios invade a igreja do mosteiro, à meia noite, lá permanecendo até o clarear do dia em orgias, soltando uivos e latidos, o que impede os monges de dormir. Em troca, São Josafá não os deixa em paz. Arma-se com o Santíssimo Sacramento e, quando a tropa infernal chega, ordena-lhe que se retire, perseguindo-as até no interior do cemitério, até o túmulo onde os demônios se precipitam e desaparecem. Quanto mais avança em idade, mais alegria encontra na oração. Freqüentemente vêem-se os próprios Anjos ajudarem-no durante a Missa. E de uma imagem de Nossa Senhora saem raios que o envolvem em luz, quando reza diante d’Ela.

Um bispo inflexível na defesa da Fé

Em 1617 foi nomeado Bispo de Vitebsk, com direito à sucessão ao Arcebispado de Polock, o que aconteceu em 1618. Sua autoridade estendendo-se então as duas cidades, atualmente em território da Bielorússia. Naqueles anos a situação de confronto entre católicos e cismáticos permanece relativamente calma.

A cerimônia de sua posse em Polock é majestosa, com bastante pompa. O comissário real apresenta-o à nobreza e aos governadores da cidade, dizendo: “Em nome e por ordem do Rei, apresento à Igreja católica, um arcebispo; à nobreza, um novo ornamento; à cidade, um defensor e a todo rebanho, um pastor“. Logo em seguida forma-se o cortejo que segue rumo à catedral ao som de música, de tiros dos mosquetes, do bimbalhar dos sinos, encerrando-se com uma salva de toda artilharia.

Em seu palácio são recebidos tanto ricos como pobres. Um familiar seu também o procura para pedir-lhe auxílio. Mas obtém como resposta que as rendas destinam-se à Igreja e aos pobres. Seu parente então satisfaz suas necessidades com seu próprio trabalho. Amando sem medidas a Deus e sua Lei, como conseqüência natural, o Santo detesta também sem medidas a doutrina oposta a Deus. Seu ódio ao cisma e à heresia é, pois, fruto do amor ao Criador e a Fé católica.

Diante das pressões para estabelecer uma paz a todo custo com os cismáticos, Josafá responde que a paz é um bem público, desde que seja aquela a que Nosso Senhor se referiu dizendo “Eu vos deixo a minha paz“. Não, porém, a outra que Ele execra, dizendo que não veio trazer a paz, mas a espada (cfr. Mt 10,34). Que falsa paz seria essa, selada ao preço de grave ofensa a Deus?

Os cismáticos agridem os católicos, e, ao mesmo tempo, choram apresentando-se como vítimas. Tais artimanhas não são suficientes para demover o Santo de sua firme posição e de seu zelo pela ortodoxia.

Com o passar do tempo, a atitude dos cismáticos torna-se cada vez mais ameaçadora. Gritos sinistros, injúrias e pedradas avolumam-se. Essa audácia só se explicava por um encorajamento externo. Para eles, Josafá está fora da lei e uma tentativa de assassiná-lo não constitui crime, apesar do castigo infligido pela Providência a vários dos que atentaram contra sua vida. Seus servidores também compartilham tais sofrimentos, sendo insultados, agredidos com paus e pedras quando saem à rua.

Martírio, milagres e glória eterna

Josafá ardia do desejo de morrer por Nosso Senhor Jesus Cristo e participar de Sua glória eterna. Em novembro de 1623, encontra-se em Vitebsk, numa visita pastoral. Não foi possível fazê-lo sair da cidade, onde abertamente se planeja sua morte, pois o fanatismo abafa nas almas o horror ao crime.

No dia 12 daquele mês, um domingo, depois das orações matinais na igreja, é dado o sinal, e todos conspiradores aglomeram-se à porta do templo para pegá-lo à saída. Ele avança com passo firme através das fileiras cerradas da turba; gritos de morte, armas que são brandidas sobre sua cabeça não o assustam. Sua presença altaneira faz aos poucos cessar o tumulto. E assim pôde chegar a salvo ao Palácio episcopal. Este então é invadido. Mas, à vista do Santo Bispo, os assassinos recuam. Há um momento de indecisão. Dois celerados precipitam-se de uma sala ao lado, e postulando sua morte, atiram-se sobre sua pessoa, ferindo-o e pisando-o. Seu corpo, sobretudo a cabeça, deixa de apresentar a forma humana. Cospem sobre o cadáver, arrancam-lhe a barba e os cabelos.

E apesar de Deus sua ira manifestar cegando uma mulher que lhe arrancava a barba, cobrindo o palácio com uma tenebrosa nuvem, da qual saía um raio de luz que ia pousar sobre o corpo -, parece que todos estão entregues ao demônio. Arrastam-no pelas ruas da cidade. Sua cabeça bate num muro e deixa a silhueta incrustada, de tal maneira que foi impossível apagá-la. Do alto da colina para onde foi levado, o corpo é lançado no rio Dwina. Entretanto, nenhum osso se fratura.

Como se tudo isso não bastasse, alguns dos revoltosos pegam o corpo e o conduzem a um lugar do rio conhecido pela profundidade, a fim de que ali ele apodrecesse. Neste momento uma coluna de luz indica o local onde o corpo se encontra. E apesar da quantidade de pedras que nele foram atadas para que afundasse, o cadáver reaparece em seguida, seguindo os assassinos. Estes tiveram que fazer grande esforço para jogá-lo novamente no local mais fundo do rio.

No palácio, alguns magistrados, que aparecem tardiamente, mandam transportar um cofre contendo objetos de culto, que os golpes dos assassinos não conseguiram abrir. Ao passar por uma mancha de sangue do Arcebispo, o cofre cai e se abre; um cálice, que estava dentro, rola, tinge-se de sangue e volta para sua posição normal, indicando que o sacrifício de Josafá havia se unido ao Sacrifício eterno de Nosso Senhor.

Alguns dias depois, uma luz milagrosa saindo das águas indica o lugar onde se encontram os restos mortais do Mártir. O céu, que permanecera sombrio, retoma sua cor normal. Entre os habitantes da cidade, o espanto cede lugar à dor. Seu corpo é resgatado. Apesar de ter ficado quase seis dias sob as águas, nenhum sinal de decomposição existe nele. As feridas parecem ornatos que o embelezam.

Muitas vezes as palavras não são suficientes na pregação para persuadir e converter. É necessário falar mediante chagas, comover pelo sangue. Sua feridas transfiguradas apresentavam uma eloqüência irresistível. À vista desse espetáculo, um cismático converte-se e se dispõe a dar a vida pela Igreja católica.

Era um santo, — dizia o povinho — nunca ofendeu qualquer pessoa; malditos os que o mataram!

Por que adoras essas pedras? — gritam para um cego cismáticos que ali se encontravam. Mas eis que, confusos, ouvem eles a exclamação desconcertante:Vejo!

Deus, prodigalizando assim os milagres, chancela a conduta heróica e firme do servidor fiel, que não dobrou os joelhos diante de seus inimigos.

Para satisfazer a devoção popular, o cadáver precisa permanecer 10 dias exposto na catedral de Polock, onde é sepultado. Em vez da dor, todos experimentam uma sensação de alegria ao contemplar seu corpo. Quando se examina a lista de milagres, fica-se impressionado ao se verificar que todos os amigos do Santo que lhe pediram favores, são invariavelmente atendidos.

São Josafá foi beatificado em 1643, por Urbano VIII. E no dia 29 de junho de 1867, o canhão do castelo de Santangelo e os sinos de todas as igrejas romanas saudaram o novo Santo, canonizado por Pio IX, juntamente com São Pedro de Arbués e os mártires de Gorcum.
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Fonte de referência:
Dom Alphonse Guépin, Saint Josaphat et l’église greco-slave en Pologne et Russie, Librairie Religieuse H. Oudin, Paris, 1897, tomos I e II.

Fonte: Ocatolicismo

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