Este texto em defesa das sagrações episcopais ocorridas em Êcóne foi retirado de um sermão de Dom Gérard do mosteiro de Santa Madalena no oitavo domingo depois de pentecostes do ano de 1987 e publicado pela revista Heri et Hodie em abril de 1988.
As sagrações de Êcóne por Dom Gérard
Caros amigos, diante do acúmulo de cartas e de comunicações telefônicas pedindo informações precisas sobre o assunto da sagração, sabendo como a opinião pública é agitada por falsas notícias, exageros, debates apaixonados, nós havíamos prometido dar-vos alguns esclarecimentos sobre as relações entre Dom Lefebvre e o Vaticano. Tendo telefonado, há quarenta e oito horas, ao próprio Dom Lefebvre, vou procurar resumir seu pensamento sem deformá-lo.
1 – O que é cisma?
Dom Lefebvre recusa formalmente a idéia dum cisma. Porque um cisma é um grande pecado. É uma dilaceração que fere a unidade de amor e de direção na Igreja. “O cisma, diz Santo Tomás de Aquino, é uma sorte de rebelião, feita de desprezo obstinado dos preceitos da Igreja e duma recusa de se submeter às suas decisões (II a, IIae, q. 39, a 1, ad 2). E Caetano precisa: A desobediência, enquanto não comporta revolta contra a função do papa ou da Igreja, não é cisma“. Notai bem, não se trata de se opor a palavras ou a procedimentos do papa, mas de se revoltar contra a função como tal. Tomemos um exemplo: se uma criança se recusa a ir à escola na reabertura das aulas, é desobediência; se ela diz a seu pai: vós não sois mais meu pai, mas um estranho para mim; eu não vos escuto, e não vos obedecerei jamais: é um cisma.
2 – Há perigo de cisma?
Haveria perigo de cisma se os bispos sagrados por Dom Lefebvre se constituíssem chefes de igrejas autônomas (ou autocéfalas como dizem os “ortodoxos” cismáticos). Mas no caso que nos ocupa, os bispos teriam como função apenas assegurar a continuidade do sacerdócio fiel, continuar a comunicar a vida divina pelas ordenações sacerdotais e pelas confirmações.
Notai bem, trata-se duma verdadeira sagração episcopal conferindo todos os poderes de ordem e de jurisdição. Mas o bispo assim consagrado usaria tão somente o seu poder de ordem, limitando-se a ordenar sacerdotes e a confirmar crianças. Sem “missão canônica”, ele não pode exercer qualquer poder de jurisdição particular. Consagrado sem a permissão do papa, ele se absterá de tornar-se o pastor duma diocese paralela; recusar-se-á, sob pena de tornar-se cismático, constituir-se chefe duma outra igreja. Não há senão uma só Igreja católica apostólica romana. Por nada do mundo, em consequência, ele usurpará uma jurisdição como fizeram os “ortodoxos” cismáticos.
3 – Mas se o papa excomungar Dom Lefebvre?
Respondemos: seria espantoso que tantos bispos e sacerdotes abertamente heréticos no mundo não sejam inquietados e que o único bispo que conserva a fé e os sacramentos seja excomungado. Doutra parte, para ser excomungado, estipula o Direito Canônico, é preciso ter cometido um pecado grave contra a fé ou os costumes. Ora, Dom Lefebvre, prelado cuja santidade de vida todos reconhecem, tem mais de oitenta anos: pode-se pensar que ele escolha para perpetrar um tão grande pecado o momento em que vai comparecer diante de Deus?
Portanto, caros amigos, mantende vossa serenidade. Não leiais, ou ao menos não acrediteis nos jornais ou na televisão. A informação (hoje desinformação) tornou-se a feiticeira do mundo moderno. Como nos contos de outrora, esta bruxa enfeitiça, lança maldições, impõe “slogans”, extravia os espíritos, deforma a verdade. Caros amigos, em lugar de deixar-vos impressionar por estes “mídia”, que detestais no vosso íntimo, esperai pacientemente que o próprio Dom Lefebvre se explique quando ele julgar conveniente fazê-lo, talvez neste outono.
4 – Por que Dom Lefebvre falou tão subitamente sobre a eventualidade duma sagração?
Esta medida extrema não pode ter por móvel senão razões altíssimas. A razão essencial é que surgiu uma ruptura dramática no magistério da Igreja. Esta ruptura, desgraçadamente, homologada pelos homens do Vaticano apareceu nas respostas dadas aos “Dubia” (objeções) que Dom Lefebvre apresentou ao cardeal Ratzinger, há dois anos, referentes à declaração conciliar Dignitatis humanae, e as consequências desastrosas que ela acarretou. Resumamos em duas palavras: a nova doutrina de liberdade, com a recusa de anunciar os direitos soberanos do Senhor Jesus sobre as sociedades.
Ora, esta negação, de fato, da Realeza de Cristo é acompanhada pelo reconhecimento dum “espaço de autonomia” em favor de todas as religiões, permitindo-lhes desenvolver-se e espalhar os seus erros. Por isso, o Vaticano não somente cessa de afirmar a mediação única de Cristo entre Deus e os homens, mas interdiz aos Estados (mesmo aos Estados católicos) abrir um caminho à evangelização. Como se outros meios de salvação existissem fora de Cristo. Como se Ele não tivesse declarado: “Quem não ajunta comigo, dissipa!“.
Até agora a Igreja não cessou de afirmar os direitos soberanos de Deus e de Seu Cristo sobre toda a sociedade. É a sua única razão de ser. Sua audácia se apoiava sobre um dogma irrecusável que duas palavras resumem: a afirmação solene de Jesus em resposta a Pilatos: “Tu disseste: eu sou rei” e a injunção de São Paulo que é a consequência daquela: “É preciso que ele reine“. Durante séculos a Igreja lembrou aos governos temporais seu dever de protegê-la e de ajudá-la a espalhar a sua mensagem, sua doutrina, seus sacramentos, que são para Cristo o meio de reinar sobre o mundo e de salvar as almas.
Pois bem, isto acabou. Agora os homens do Vaticano enviam anúncios a todos os países para dizerem aos governos, mesmo católicos: é preciso dar um “espaço de autonomia” a todas as religiões. Mesmo àquelas que querem destruir a realeza de Jesus Cristo? Sim, mesmo àquelas.
5 – Então é a “autodemolição” da Igreja da qual falava Paulo VI?
Digamos que são os próprios mais altos dignitários da Igreja que, parece, trabalham por suprimir, abolir a muralha que ela havia edificado no decurso dos séculos contra os venenos do erro e do vício. Eles encorajam o que Leão XIII chamava “a liberdade do erro, a liberdade de perdição”. Dão uma voz, uma representação, uma área de extensão àqueles que dizem: “Não queremos que Cristo reine sobre nós”. A Igreja, abolindo o sistema de defesa de seu próprio organismo, colocou-se a si própria, por assim dizer, em estado de imunodeficiência, cuja síndrome fatal vós conheceis. Toda gente fala dela. Eu calarei o seu nome.
Eis, entre mil, um exemplo impressionante que dá Dom Lefebvre: o da Colômbia.
“Se a Colômbia em 1966, era um país ainda com 95% de católicos, é graças ao Estado, que impediu por sua Constituição a propagação das seitas protestantes: ajuda apreciável à Igreja católica! Protegendo a fé dos cidadãos, estas leis e estes chefes de Estados terão contribuído para levar ao céu milhões de indivíduos que terão a vida eterna, graças a estas leis e não a teriam sem isto! Ora, atualmente isto acabou na Colômbia!
Esta lei fundamental foi supressa a instâncias do Vaticano, pela aplicação da ‘liberdade religiosa’ do Vaticano II! Sendo assim, as seitas pululam; e esta pobre gente simples está desarmada em face da propaganda de seitas protestantes podres de dinheiro e de meios que vêm e voltam sem cessar para doutrinar os analfabetos.
Eu nada invento. Pois bem, isto não é uma verdadeira opressão das consciências, protestante e maçônica? Eis aonde chega a pretensa liberdade religiosa do Concílio!” (Cf. Dom Marcel Lefebvre: Eles O destronaram, Do liberalismo à apostasia, A tragédia conciliar, Edições “Fideliter”, 1987 páginas 173-174). Na mesma ordem de idéias, nossos irmãos, que fundam um mosteiro no Brasil, escreveram-nos ultimamente que seitas protestantes vindas da América do Norte tinham comprado um vale inteiro, onde seus pregadores causam estragos, e é toda uma população que passa para o protestantismo.
Eis porque Dom Lefebvre foi a Roma depositar aos pés do Santo Padre o livro “Eles O destronaram”. Ele disse ao cardeal Ratzinger: “Eis a doutrina da Igreja; se vós estais de acordo, é preciso lutar contra os erros que a ela se opõem. Senão, nós não podemos mais confiar em vós”.
Caros amigos, conservemos nossa calma e serenidade. Se rezarmos, se nos mantivermos firmemente ligados à Tradição da Igreja, estaremos seguros de não sermos enganados, e conheceremos, mesmo em meio às tempestades, a alegria da alma e a tranquilidade de espírito.
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