sábado, 28 de maio de 2011

O triste fim do Cristianismo Holandês

De longe é possível ver a torre da Vredekerk, em Bussum. Construída em 1914, esta igreja protestante fica no centro da cidade, não muito longe da principal estação de trem. No entanto, é somente na entrada que se percebe que apesar da torre, das grandes portas de madeira e da localização central, o prédio não funciona mais como uma igreja. No lugar do quadro de avisos e da água benta, um painel com interfone e as caixas de correio dos 18 apartamentos que agora ocupam o edifício.
Em 2005, a igreja, que já não possuía mais um número considerável de fieis, foi vendida e reformada, transformando-se em um prédio residencial. O destino da Vredekerk, que pode soar estranho para muitos brasileiros, não é nada incomum na Holanda. Segundo o professor Peter Nissen, da Universidade de Nijmegen, desde a década de 70, novecentos prédios de igrejas foram abandonados no país. Ele conta que um terço destes edifícios foi demolido, um terço foi assimilado por outras religiões e o restante adquiriu novas funções, como escritórios,restaurantes, bares e apartamentos.
Transformação
Este fenômeno, segundo o professor, reflete a atual situação das igrejas protestantes e católicas na Holanda: a cada dia, elas possuem menos fieis e, consequentemente, uma renda menor. “Por volta de 1960, setenta por cento dos católicos holandeses frequentavam as igrejas aos domingos, e hoje em dia apenas sete por cento deste grupo vai à missa. Isso significa que existem muitas igrejas para um grupo de fieis que esta ficando cada vez menor. O problema que surge é: o que fazer com todas essas igrejas vazias? E mais: quem vai pagar por esta transformação?”, questiona.
O preço para manter uma igreja pode ser bem alto, mas comprá-la pode sair ainda mais caro. As igrejas são mais espaçosas do que a maioria dos prédios comuns, geralmente estão bem localizadas e demandam altos investimentos nos sistemas de aquecimento e eletricidade. Além disso, nem todo mundo está apto para comprar uma igreja, especialmente as católicas. Segundo o departamento de arquitetura da Diocese de Haarlem, o processo de venda de uma igreja pode demorar de 5 a 10 anos.Cada caso é único, mas a Diocese possui algumas regras para evitar que o antigo espaço sagrado seja transformado em algo que não corresponda aos valores cristãos.
Apesar disso, é possível encontrar igrejas que se tornaram casas noturnas, escolas de mergulho e escalada e até lojas de acessórios eróticos. Grande parte destes prédios, no entanto, costumava abrigar cultos protestantes. O professor Peter Nissen explica: ao contrário dos católicos, que consideram a igreja a “casa de Deus”, para os protestantes ela é um espaço de reunião, sem o caráter sagrado.
Respeito

O passado religioso de um edifício pode influenciar até mesmo aqueles que afirmam ser agnósticos ou ateus. É o caso de Francesca Van Raab, primeira e única moradora do apartamento A1 da antiga Vredekerk. Francesca afirma que a função anterior do prédio contribui para uma relação diferenciada com o lugar onde mora. “Eu não sou religiosa no sentido de acreditar em Deus, apesar de crer que existe algo maior. Quando me mudei para este edifício, vim com o sentimento de respeitar as pessoas que costumavam usá-lo para praticar a religião. Eu acho importante sentir este respeito ou não seria correto mudar para uma igreja”, afirma.
Reformar e dar nova função às igrejas abandonadas é a melhor opção encontrada até agora, afirma Peter Nissen. Desta maneira, a igreja permanece no cenário das cidades e as memórias e relações afetivas dos fieis são mantidas de alguma forma. Como propriedade das instituições religiosas, os prédios dependem dos interesses e planos das dioceses e conselhos. A única maneira de garantir a não demolição de uma igreja é transformá-la em monumento nacional, ato que depende da relevância do prédio e de sua arquitetura.
Este é o caso da Heilig Hartkerk em Haarlem, construída em 1902 e reinaugurada em 98 como moradia estudantil e salão de beleza. Jan Dortmundt, dono do salão que ocupa a antiga capela da igreja, diz com orgulho que é o único cabeleireiro que trabalha dentro de uma igreja na Holanda. O salão é todo composto por referências religiosas: da logo que lembra o Sagrado Coração, à decoração, que inclui estátuas e imagens de santos e até uma foto do papa Bento XVI de cabeça para baixo. A ironia, segundo Jan, é respeitosa. Ele conta que logo que mudou para o atual endereço, perdeu alguns clientes, que não concordavam com o novo uso da capela. Por outro lado, foi compensado conquistando uma clientela ainda maior exatamente por estar ali.
“Algumas clientes vêm pela igreja, mas eu espero que elas venham pelo meu trabalho também! É interessante: elas vêm e ascendem uma vela. Muitas pessoas dizem que se sentem relaxadas, em paz, descansadas. E é isso que faz ser especial estar em uma igreja”, conta Jan Dortmundt.
No total, existem quatro mil e duzentas igrejas na Holanda. E a previsão é que cerca de mil e quatrocentos destes edifícios sejam fechados até 2020.

*Agradecemos o leitor Geovani por nos enviar essa matéria

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